Quem sou eu

Nasci e cresci em Carmo da Cachoeira, uma pequena cidade no sul de Minas Gerais. Para quem não conhece, fica ao lado de Varginha — já ouviram falar do famoso ET de Varginha, certo? Minha cidade tem pouco mais de 14 mil habitantes, e sua economia é fortemente impulsionada pela produção e colheita de café. É um lugar tranquilo, com a típica hospitalidade do interior mineiro

Pelo meu pai, que é alcoólatra, o destino parecia ser o de me tornar mais um trabalhador braçal. No entanto, eu era um bom aluno, com facilidade nas matérias de exatas, e recebia incentivo tanto dos meus professores quanto da minha mãe, que trabalhava como cantineira e, naquela época, ainda não havia concluído o ensino fundamental. Estudei sempre em escola pública e, no ensino médio, precisei mudar para o período noturno, pois precisava trabalhar para ajudar a sustentar a casa.

Aos 14 anos, fui diagnosticado com uma doença genética que me tirou mais de 50% da visão. Isso trouxe inúmeras dificuldades para concluir os estudos, e os problemas já começavam dentro de casa. Mesmo assim, por conta da minha habilidade com a matemática, eu sonhava em ser engenheiro, imaginando construir casas, aviões ou circuitos elétricos.

Confesso que ser professor nunca passou pela minha cabeça, mas, com o tempo, também percebi que ser engenheiro era um sonho distante. Minha família não tinha condições financeiras para bancar uma graduação tão cara. Estudar fora da cidade, por si só, era algo fora de cogitação, pois eu nem sequer tinha condições de me manter longe de casa.

Talvez o meu destino estivesse realmente traçado para o trabalho braçal, mas um dia minha mãe chegou com um panfleto de uma faculdade na cidade vizinha e me disse para escolher um curso mais barato. Diante dessa realidade, as licenciaturas eram a única opção, e, como eu tinha afinidade com exatas, optei pela matemática. O vestibular foi fácil, mas o desafio estava apenas começando. Não tínhamos dinheiro suficiente nem para a matrícula, nem para o transporte, já que eu precisaria ir e voltar todos os dias.

Então, tomamos uma decisão difícil: desviamos o dinheiro das contas da casa para pagar a matrícula e o ônibus. Conseguimos garantir minha entrada na faculdade, mas logo a energia elétrica de casa foi cortada por falta de pagamento. E foi assim que comecei minha jornada acadêmica: sem um pingo de vocação, mas com o coração apertado ao ver os sacrifícios que minha mãe fez para que eu tivesse uma chance.

Na graduação, minhas notas eram excelentes, mas foi também aí que tive minha primeira experiência com sala de aula — e detestei com todas as minhas forças! Durante esse período, passei em meu primeiro concurso público. O problema é que, por um erro da funcionária da prefeitura e minha própria falta de atenção, achei que havia me inscrito para o cargo de agente administrativo, mas na verdade, me inscrevi para agente de saúde. Agora, imaginem o pior agente de saúde que o mundo já viu: era eu!

A cada dia, minha vontade de me formar crescia, motivada pelo desejo de largar aquele emprego que não fazia sentido para mim. No entanto, com o passar do tempo, comecei a me questionar: "Será que eu vou conseguir me adaptar a algum lugar?"

Após quatro anos, saí da faculdade com uma bagagem sólida de conhecimento e logo fui aprovado no concurso do Estado de Minas Gerais para professor de matemática, com pouco mais de 20 anos. Fui convocado para tomar posse antes mesmo de ter a chance de ascender no mundo das escolas particulares, onde o plano de carreira parecia mais promissor. Ainda assim, o salário de professor era maior que o de agente de saúde, então pedi exoneração da prefeitura e mergulhei de cabeça na educação estadual, acreditando que iria arrasar.

E eu arrasei... Mas não no sentido que esperava! Logo no início, não conseguia nem falar direito na sala de aula. Que frustração! Eu sabia tudo sobre regra de três, equações, tinha o conteúdo na ponta da língua... Mas, por algum motivo, os alunos simplesmente não me respeitavam, e os insultos eram constantes. Eu me perguntava: será que isso era um castigo divino? Por que eles não me deixavam falar?

Os dias foram passando e nada mudava... outros professores reclamavam do barulho excessivo da minha sala... os pais de alunos reclamavam da minha falta de disciplina. Não demorou muito e eu já rezava o terço no caminho da escola... amava os dias que chovia e o ônibus não buscava a turma da zona rural... sentia-me a pessoa errada no lugar errado. Definitivamente, parecia que ser professor não era a minha praia. Eu tentava de tudo, mas nada funcionava. Nada! Até levei bombons certa vez... comeram e fizeram bolinhas com a embalagem para me tacar. Será que algum professor já teve um começo mais apavorante que o meu? Estava entrando em depressão e preferi poupar a minha mãe do profissional fracassado que eu era. Tudo era muito ruim, mas tinha um aluno especial que conseguia me irritar acima do normal... cada dia eu ganhava um apelido diferente daquele pequeno rapaz que só falava em treinos com supino . Ele era todo musculoso e amava academia (e foi esse aluno que me mostrou o meu caminho). 

Sem mais o que fazer para ser respeitado e ouvido, tive a ideia de fazer um exercício contextualizado no universo das academias... anexei uma foto minha mostrando o bíceps na atividade que foi escrita numa cartolina. Também levei uma luva de boxe pra sala. E não é que o bombado se interessou?! Ficou lisonjeado quando disse que fiz a atividade para agradá-lo. Naquele dia eu saí da sala de aula me sentindo um professor, aliás, foi nesse dia que descobri que eu poderia virar o jogo a meu favor. Claro que isso não aconteceu de forma rápida e simples, mas cada vez que levava atividades do mundo adolescente, percebia que a indisciplina era menor e o envolvimento dos alunos acontecia sem grande esforço. 

Mês a mês fui ganhando segurança e aprendendo técnicas para melhorar a disciplina na sala. As reclamações das aulas barulhentas do professor Felipe desapareceram! E, num dia qualquer, preparei umas atividades no mundo dos super-heróis, vesti uma camiseta do Superman, amarrei um pedaço de TNT vermelho no pescoço para simular uma capa e fui dar aula! Os alunos amaram e eu percebi que poderia construir a minha própria identidade como professor dentro da sala de aula. As compras de camisetas com estampas de heróis, animes, filmes e até princesas da Disney começaram a se tornar frequentes para a realização de atividades lúdicas e divertidas. 

Enfim... o professor assustado, medroso e sem disciplina foi dando lugar a um novo professor, um professor que buscou no Superman a chance de um recomeço na profissão e percebeu que educar é muito mais que vocação! Confesso para vocês que eu não  acredito em dom e nem em vocação! 

Desde então, muita coisa legal aconteceu, mas nunca passou pela minha cabeça que as minhas atividades pudessem fazer tanto sucesso com  outros milhares de professores de matemática do Brasil; nunca passou pela minha cabeça que eu pudesse criar um curso e lotar várias turmas. Acho que o Storytelling da minha vida renderia um bom filme! 

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